sábado, 5 de março de 2016

São Paulo Precisa Parar

Nesta Semana, tenho a satisfação de compartilhar um texto muito interessante, publicado e narrado pela Rádio CBN, de Cláudia Elisabete da Silva, minha amiga e respeitada Professora de História. Apreciem!
Às sete horas anunciei que estava para chegar, mas minha mãe não entendeu que meu dia havia chegado. Às sete horas os trabalhadores já estavam na luta, de trem, de ônibus, sonhando nos “enlatados” com o metrô em construção que, um dia, iria encurtar as distâncias para todos – ou para alguns privilegiados lá da zona sul. Só o tempo diria, já que até hoje o metrô não atende a toda a cidade. Meu pai e nosso tio já haviam saído para seus respectivos empregos. Minha mãe, no entanto, não quis incomodar ninguém, e ficou ali, sofrendo sozinha, achando que eu poderia esperar mais um pouco. A coisa foi ficando apertada e em pouco tempo não foi mais possível segurar. Ela chamou minha tia, que morava no mesmo terreno, na casa da frente. A tia, recém-chegada na Paulicéia, não sabia nem por onde começar.

“Um táxi, tia, chame um táxi lá na Itinguçu”, minha mãe pedia. Morando na Vila Ré, cujas ruas ainda estavam sendo asfaltadas, essa era a única forma de tentar chegar a um hospital em tempo suficiente para que eu não viesse ao mundo no meio da rua, em meio a essa gente apressada, correndo para o que der e vier, como diria a canção de tom entusiástico e em ritmo acelerado – “vambora, vambora, olha a hora”…

São Paulo não podia parar: este era o mote lá no início da década de 1970, quando vi a luz, só por volta das cinco da tarde – na hora do “rush”, da volta para a casa, tinha que ser! O hospital ficava na Avenida Celso Garcia, a alguns metros do Parque São Jorge – o destino já estava traçado: mais uma corintiana na face da Terra!

Aprendi a ler antes de frequentar a escola, decifrando os outdoors do corredor Radial Leste-23 de Maio-Rubem Berta, que percorríamos semanalmente, eu, minha mãe e meu pai, para visitarmos os parentes no Jabaquara. Tentamos morar nesse bairro em 1979, mas não aguentamos mais do que nove meses, por causa do barulho dos aviões que decolavam e aterrissavam em Congonhas. Voltamos para a zona leste, onde construímos nossas vidas ali, na região da Penha, um dos bairros mais antigos da capital, antigo lugar de peregrinação à igreja do século XVII que abrigava a santa padroeira da cidade. A Penha era o centro comercial para toda aquela gente que, quando era preciso “ir à cidade” (o Centro Velho), dependia exclusivamente dos ônibus que seguiam, demoradamente, pelas avenidas Amador Bueno da Veiga, Celso Garcia e Rangel Pestana.

Nos anos 1980 veio o metrô, que facilitou a vida dos trabalhadores e estudantes da região. Fui fazer o 2º grau no Tatuapé, e foi então que a cidade começou a se descortinar diante dos meus olhos.  Centro velho, República, Anhangabau, 24 de Maio e Barão de Itapetininga, com suas livrarias e lojas de discos, as galerias Barão e “do Rock”, os cinemas, as lojas de pedras brasileiras, os prédios da virada do século XIX para o XX.

Entrei na USP para estudar História e venho testemunhando da janela do ônibus as transformações da rua Augusta ao longo dos últimos 20 anos; trabalhei no Museu Paulista (vulgo Museu do Ipiranga), onde pisei pela primeira vez ainda criança, levada pelo meu pai; fiz alguns freelances na região da Santa Cecília, Higienópolis, Perdizes e Lapa. Pesquisei nas bibliotecas da São Francisco, na Mário de Andrade, nos arquivos Municipal e do Estado, e tornei-me uma professora absolutamente apaixonada por São Paulo e sua história. Hoje, e já há alguns anos, tenho a sensação de que São Paulo precisa parar de crescer, para que a verdadeira cidadania seja conquistada por todos. Apesar de tudo, posso dizer que não saberia viver noutro lugar.

SP/460 Anos
Texto: Cláudia Elisabete da Silva

3 comentários:

  1. Esse texto da Claudia é de uma sensibilidade incrível! Muito lindo!!!

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  2. Obrigada, Shirlei e Edna, pela oportunidade de compartilhar com mais pessoas não muito, mas muito do meu olhar para esta cidade. Compartilho o link do áudio para a versão sonorizada, que foi ao ar há dois anos na rádio CBN - https://soundcloud.com/miltonjung/conte-sua-historia-de-s-o

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  3. Ah! Só mais uma coisinha, e esta destinada aos jovenzinhos:reparem que a palavra "shopping" não aparece no meu texto, e nem faz tanto tempo assim...

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